A Natureza em “Os Sertões”
Meio Ambiente

A Natureza em “Os Sertões”

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Na coluna anterior, o autor resumiu em poucas palavras a Guerra de Canudos, na Bahia, um dos episódios mais emocionantes da história militar do Brasil, quiçá do mundo. Designado para cobrir o embate, o então jornalista do Estado de São Paulo, Euclides da Cunha seguiu para o sertão baiano e, em 1902, reunindo todo o material colhido na cena da luta, publicou “Os Sertões”, um clássico da literatura nacional. O livro é dividido em três partes, A Terra, O Homem e A Luta.

Na primeira parte, o autor aborda o palco natural onde se deram as batalhas, a ressecada e espinhosa caatinga, que em tupi significa “mato branco”, nome que deriva do ambiente inóspito típico daquele ecossistema, onde raramente chove e as árvores que conseguem crescer ali só apresentam folhas depois de alguma rara chuva. A seca é a maior característica daquela paisagem sofrida, que o autor do livro descreve como “barbaramente estéril, maravilhosamente exuberante”.

A riqueza da flora brasileira no sertão

Com efeito, mesmo em condições adversas, a flora brasileira teima em apresentar maravilhas botânicas às quais se dá pouco valor. Colhendo informações com os habitantes da região, Euclides da Cunha conseguiu, em seu livro, trazer ao conhecimento dos brasileiros, pérolas botânicas que fazem a vida um pouco mais suportável naquelas paragens.  

A maior delas, sem dúvida, é o umbuzeiro, que produz árvores enormes, em forma de guarda-chuvas, com as folhas sempre a mais de 2 metros do chão, pois são avidamente comidas pelo gado e pelos caprinos, que se equilibram em suas patas traseiras para pasta-las, e não raro chegam a subir nas árvores para isto. A fruta, muito doce e saborosa, faz a alegria de sertanejos e animais na safra, em janeiro e fevereiro. As sementes, torradas, servem de café, e o fruto, esmagado e descaroçado, é disposto sobre mesas onde, em pouco tempo, vira uma espécie de gelatina plana que pode ser enrolada e guardada para uso futuro. Se fosse uma fruta europeia ou americana, seria o sustentáculo de uma indústria multimilionária, mas como é brasileira…

Em seguida, é citado o licuri, uma resistente e fértil palmeira brasileira, que sustenta com sua safra permanente vários animais domésticos, como porcos e galinhas, e também as raríssimas ararinhas azuis do sertão, sendo que das duas espécies existentes, uma já se extinguiu na natureza. A jurema também é citada, e é conhecida como o haxixe do sertão, pela qualidade revigorante de seu suco, embora esta propriedade ainda não tenha sido estudada pela ciência. Outra estrela do sertão mencionada é a favela, que apresenta a singular propriedade de resfriar sua casca bem abaixo da temperatura ambiente, provocando a precipitação de orvalho sobre si, o que torna esta curiosa planta imune à seca.

A caatinga, por sua alta temperatura e baixa precipitação pluviométrica, é o ambiente perfeito para cactos, também lembrados no livro, como o mandacaru, de grande porte, o xique-xique, menor, e a palma, cacto do gênero Opuntia, importado da África, mas de suma importância aos sertanejos, que queimam seus espinhos e os retalham com um facão, para servir de comida ao gado. As bromélias também vicejam na caatinga, e duas são importantes aos aborígenes; o caroá, que, seco e trançado produz uma corda de excelente qualidade, capaz de resistir por anos à água salgada, usada para cordas de atracação de navios, e a macambira, que, de tão espinhosa, foi usada pelos jagunços de Antonio Conselheiro como arma de guerra.

A fauna da região também surpreende pela diversidade

Mesmo o ambiente árido da caatinga abriga formas de vida animal variadas. Em sua obra, Euclides da Cunha relata costumes dos caititus, das seriemas, emas, antas, veados e mocós, um tipo de cutia do Nordeste. Angustiado pela desolação reinante, no entanto, o autor descreve a ocupação do vale do Rio São Francisco feita a queimadas constantes, em suas próprias palavras “durante meses seguidos, viram-se no poente, entrando pelas noites adentro, o reflexo rubro das queimadas”.

O governo colonial da época, já preocupado com os resultados do processo bárbaro de ocupação, e, após a lendária seca de 1791-1792, editou as cartas régias de 1796, que previam severa proibição da derrubada de matas, e nomeava um juiz conservador das florestas. O mal, no entanto, já estava feito, e nas palavras do autor do livro, “o homem fez-se um componente nefasto entre as forças daquele clima demolidor. Se não o criou, agravou-o. Deu um auxiliar à degradação das tormentas, o machado do catingueiro; um suplemento à insolação, a queimada.”

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