
Plantas e bruxas (2)
A histérica e vergonhosa perseguição às “bruxas” pela Inquisição na Europa não se estendeu às Américas, mas um caso emblemático ocorreu no atual solo americano, em 1692, na cidade de Salem, no Massachusetts. Historiadores que pesquisaram o episódio, que deu posteriormente margem a um filme, “As bruxas de Salem”, atribuem a histeria coletiva ocorrida na cidade durante os fatos a alucinações de fundo químico, atribuída a uma doença chamada ergotismo, ou cravagem.
Este mal, conhecido há séculos pelos historiadores, é causado pela exposição do centeio a umidade excessiva, o que propicia o crescimento de um fungo conhecido como Claviceps purpúrea, o fungo ergot, em francês, que produz alcaloides perigosos como a ergotamina, cuja ingestão pode causar convulsões, desarticulação na fala, formigamento e coceiras dolorosas na pele, e alucinações intensas. Duas formas de reação ao envenenamento são hoje conhecidas; o ergotismo gangrenoso, que se manifesta por sensação intensa de queimação na pele, e a convulsiva, que causa alucinações e convulsões de difícil controle.
Claviceps purpúrea
Como se sabe, o centeio foi uma das primeiras plantas domesticadas pelo homem, logo depois da cevada e do trigo. Também é uma gramínea, mas prefere climas mais frios para se desenvolver melhor. Ele fez parte da descoberta da agricultura, há cerca de 10.000 anos, no chamado crescente fértil, território que hoje abriga países como o Iraque, a Síria, e parte da Turquia. Foi sempre muito cultivado na Europa de clima mais frio, e sempre foi mais barato do que o trigo, sendo assim amplamente usado pelas classes mais pobres para a fabricação de pães e biscoitos grosseiros. Até hoje este cereal é usado na fabricação de pães pretos, e por sua riqueza em elementos como manganês, fósforo, fibras ,e selênio, é o alimento favorito de atletas e naturebas preocupados com a balança.
A epidemia causada pelo fungo do centeio
Voltando a Salem, os registros climáticos mostram chuvas abundantes e temperaturas altas no verão de 1691, e a pequena vila situava-se próxima a campos pantanosos, tudo propício ao aparecimento de fungos, principalmente no centeio, colhido e guardado em fardos, destinados à fabricação de pães. Logo depois, em 1692, cerca de 250 pessoas, principalmente mulheres, são acusadas de bruxaria. Destas, 30 jovens se declararam enfeitiçadas, todas jovens, mais propensas às alucinações causadas pela cravagem. Em meio à histeria coletiva, 19 acusadas foram enforcadas, e uma foi esmagada em uma pilha de pedras.
A primeira ocorrência da cravagem na história ocorreu na Alemanha, em 857 DC. Logo depois, em 994 DC a praga fez 40.000 vítimas na França, e ocorrências pontuais continuaram a fazer vítimas pela Europa toda, principalmente em países de clima frio, cultivadores do centeio. Em 1926-27, 11 mil pessoas foram vitimadas por um surto do mal na Rússia, e em 1951, de novo na França, 4 pessoas morreram de cravagem e centenas adoeceram depois que um padeiro vendeu pão feito com centeio contaminado.
Como em Salem, o fungo do centeio também entrou para a História em alguns episódios, como a epidemia do mal entre as legiões de Júlio César, na Gália, no ano 1 AC., fazendo-o desistir de ampliar o império romano ao norte da Europa. Historiadores hoje asseguram sua participação na retirada dramática de Napoleão Bonaparte de Moscou, em 1812, quando boa parte de seu exército foi devastada pelo inverno russo e pela fome.
Estudos modernos revelaram que os alcaloides presentes na cravagem têm um traço comum, são derivados de um composto orgânico conhecido como ácido lisérgico. Em 1938 um químico suíço, Albert Hofmann, estudando derivados do ácido, chegou ao LSD, e o fungo do centeio mais uma vez entrou para a história. Esta substância é dez mil vezes mais potente como alucinógeno do que a mescalina, encontrada em cactos mexicanos, e se tornou popular nos anos 60 por hippies do mundo inteiro, tendo causado inúmeros casos de psicose permanente e suicídio. A mesma substância que na Idade Média levou milhares de mulheres à fogueira e a torturas inimagináveis, continuou sua trajetória séculos depois e espalhou muito sofrimento a milhares de jovens e suas famílias…
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Eliana Fisciletti
Excelente texto! Uma viagem histórica e biológica!